Em entrevista inédita a médica pediatra e sanitarista falou de vocação, família, vida e da missão da Pastoral da Criança e da Pastoral do Idoso à equipe da Revista Qualidade em novembro de 2009.
varanda, ao som dos pássaros, e de outros animais, pois todos acordam na mesma
hora. É um pequeno encontro comigo, com a natureza e com Deus.
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...sinto-me como a Regente de um grande Coral, onde as vozes todas seguem a melodia da partilha do Amor e dos Conhecimentos . No cumprimento fiel do primeiro e maior Mandamento da lei de Deus , está o tom para não desafinar e desanimar.
Imagem: http://www.cidadesdobrasil.com.br/
Aprendi de minha mãe uma frase que me valeu nas horas difíceis de família e nas Pastorais: “faço o que posso e peço a Deus que faça o resto”, e dá certo.
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Projetos
...Transferir a metodologia comunitária de Fé e Vida, da Pastoral da Criança a outros países pobres para somar esforços na redução da desnutrição, da mortalidade infantil e materna, e promover a paz nas famílias e comunidades.
A Pastoral da Pessoa Idosa, assim como a Pastoral da Criança, é uma rede em defesa e proteção da vida, principalmente em seus estágios mais frágeis, como a infância e a velhice.
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No 2º trimestre de 2009, segundo os dados do Sistema de Informação da Pastoral da Pessoa Idosa, foram acompanhadas no Brasil 156.864 pessoas idosas...
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Descreva como é a profissional e a mulher Zilda Arns?
Sou médica pediatra e sanitarista por vocação, para atender um chamado maior que sinto
dentro de mim, desde os quinze anos de idade, o de contribuir com os meus talentos para
que as crianças, especialmente as mais pobres, tenham saúde e oportunidade de se
desenvolverem plenamente, consegui realizar o meu sonho na Pastoral da Criança. Sintome
privilegiada por Deus, por me ter preparado para essa missão, desde antes de nascer,
e em todos os períodos de minha vida.
Levo a sério os meus compromissos. Dentro da amplidão de chamados, procuro escolher
o que é prioritário para alcançar os objetivos. Guardo sempre comigo uma frase em Latim,
língua que estudei no ginásio, quando adolescente: “VIRTUS EST IN MEDIA”, isto é, “A
VIRTUDE ESTÁ NO MEIO “. Ajuda-me a decidir principalmente quando está em jogo a
necessidade de estar presente na minha família e no trabalho. Há seis anos moro na
minha chácara; Levanto as 5,30 horas da manhã, e tomo duas xícaras de café com leite,
na varanda, ao som dos pássaros, e de outros animais, pois todos acordam na mesma
hora. É um pequeno encontro comigo, com a natureza e com Deus. Consigo ordenar as
minhas ideias e prioridades e colho energias para superar dificuldades. Em dezembro
deste ano, completo 50 anos de formatura em Medicina pela Universidade Federal do
Paraná. Minha carreira foi sempre desafiante e muito bonita, principalmente por que, para
alcançar os objetivos, devo cuidar de animar multidões para a mesma Missão; sinto-me
como a Regente de um grande Coral, onde as vozes todas seguem a melodia da partilha
do Amor e dos Conhecimentos . No cumprimento fiel do primeiro e maior Mandamento da
lei de Deus , está o tom para não desafinar e desanimar.
A minha carreira médica foi muito rica e me sinto bem sucedida, principalmente pela
minha paixão, otimismo, entusiasmo e garra, regados pela confiança em Deus. Após
cinco décadas de experiência na carreira de Saúde Pública, desses 20 anos na direção
de serviços de saúde materno -infantis, onde pude sentir o aroma estimulante de servir
aos mais pobres, recebi a graça de iniciar a Pastoral da Criança em 1983, junto com o
atual Arcebispo Primaz da Bahia, Cardeal Dom Geraldo Majella Agnelo. Na minha
experiência , faltava às mães, o conhecimento e o apoio para melhor cuidarem de seus
filhos. A metodologia comunitária da Pastoral da Criança, baseada no Evangelho de São
João, quando fala sobre a multiplicação de 2 peixes e 5 pães, que saciaram a fome de
5.000 homens, sem contar mulheres e crianças, e ainda sobraram 12 cestos de resto. Foi
perfeita para que produzisse os frutos esperados, na redução da Mortalidade Infantil (de
mais de 80 por mil nascidos vivos, para 13 por mil nascidos vivos; a desnutrição de mais
de 50%, para 3,1% entre as crianças menores de 6 anos acompanhadas pela Pastoral da
Criança nas comunidades pobres.
Transformou-se a Pastoral da Criança em Organismo de Ação Social da CNBB, no ano
de 1983. Sua Missão é educar as famílias e comunidades, através de lideres comunitários
voluntários capacitados em ações básicas de saúde, nutrição, educação e cidadania, para
reduzir a mortalidade infantil, a desnutrição e promover a educação para a Paz nas
famílias, dentro do espírito de Fé e Vida. Segundo os dados de 2008 são 1.689.243
crianças, 94.987 gestantes, de 40.853 comunidades e 4.016 municípios de todos os
estados do Brasil e o Distrito Federal. Esse trabalhado é realizado por 246.215
voluntários.
Em 2004, recebi durante a Assembléia Geral da CNBB, junto com Dom Aloysio Leal
Penna, a incumbência de organizar e coordenar a Pastoral da Pessoa Idosa, que se
tornou em 2009 Organismo de Ação Social da CNBB.
A Pastoral da Pessoa Idosa segue a mesma metodologia da Pastoral da Criança, de
partilhar conhecimentos e solidariedade, junto aos idosos, suas famílias e comunidades,
através de líderes comunitários voluntários e capacitados especificamente, dentro do
espírito de Fé e Vida, como discípulos e missionários de Jesus. O objetivo é melhorar a
qualidade de Vida dos Idosos. Atualmente são visitados em suas casas 156.864 idosos,
de 1.112 paróquias e 752 municípios de todos os estados, com exceção do Amapá.
Como mãe, já vivi diversas fases, sempre administrando os compromissos da vida familiar
e profissional. Com o falecimento inesperado de meu esposo, tive que assumir o papel de
pai e de mãe. Meus 5 filhos tinham de 4 a 14 anos: Rubens(14), Nelson(12), Heloisa(10),
Rogério(8) e Silvia (4). Criamos juntos um Conselho para decidir coisas importantes para
eles. Se os 5 chegassem 'a mesma conclusão, e essa fosse diferente da minha, a opinião
deles era colocada em prática. Deu certo, por que assumiam o compromisso e era um
instrumento de educação para o diálogo e a democracia. Senti como dizia um poeta
alemão desconhecido: “O amor de mãe é grande como o mar, é como a montanha, tão
profundo e pesado; é como o Céu tão amplo, tão amplo; o amor de mãe é enternecido; é
como a ponte que liga; é como o laço que une .....”. Silvia, a caçula, faleceu há seis anos,
num acidente de trânsito, com 30 anos de idade. Apesar da profunda dor, agradeci a
Deus pelos anos que viveu, irradiando alegria e coragem. Deixou um filho, Danilo, de 2
anos e dez meses. Ficou sob minha guarda. Para melhor administrar a nova situação,
convidei minha filha Heloisa a vir morar comigo, vendi meu apartamento e construí uma
casa melhor na minha chácara, onde já moravam dois filhos. Assim os dez netos se
reúnem na minha casa, brincam e praticam esporte, andam a cavalo e de bicicleta,
especialmente nos fins de semana.
Aprendi de minha mãe uma frase que me valeu nas horas difíceis de família e nas
Pastorais: “faço o que posso e peço a Deus que faça o resto”, e dá certo.
Qual é o segredo para tanta vitalidade e disposição para o trabalho?
Nasci em área rural, Forquilhinha, no sul de Santa Catarina, de uma família muito bem
constituída. Sou a décima segunda de treze irmãos: sete mulheres e seis homens;
desses, nove são professores, dois engenheiros, um agricultor e eu médica. Cinco dos
professores são religiosos, dois franciscanos e um deles Dom Paulo Evaristo Arns,
Cardeal Arcebispo de São Paulo, agora Emérito, e três irmãs religiosas. A minha mãe
Helena amamentou todos os filhos, até ficar grávida do próximo. Tive a sorte de ser
amamentada por 3 anos e 4 meses; hoje sabemos da diferença que faz para o resto da
vida da pessoa o tempo que ela é amamentada: desenvolvimento emocional , defesas
imunológicas naturais, melhor dicção, psicomotricidade, prevenção primária para certas
doença, além de outras.
Meu pai Gabriel e minha mãe deram igual valor aos estudos dos filhos e das filhas, e
além da qualidade da escola primária que era comunitária, escolheram as melhores
escolas para os filhos prosseguirem os estudos, em Curitiba, pois em Santa Catarina
ainda não havia Universidade na época. O cuidado que meus pais e a comunidade
tiveram com a saúde e desenvolvimento integral, de seus filhos, pode explicar em parte a
minha disposição para o trabalho, a serviço da construção de um mundo melhor, mais
justo e fraterno.
Pratiquei esportes desde pequena, andei a cavalo e enfrentei desafios a vida inteira. Fui
campeã paranaense de vôlei, 3 anos seguidos e de tênis de mesa, na adolescência.
Naturalmente, além desses dois fatores, o aleitamento materno e a educação de
qualidade, Deus me proporcionou oportunidades extraordinárias para o crescimento de
meus talentos naturais, principalmente a capacidade de amor e perseverança na
dedicação à Missa
Quais os projetos profissionais da Dra. Zilda Arns?
Construir o acesso, a qualidade e a humanização dos serviços de saúde pública maternoinfantis
que dirigi; fundar e organizar as Pastorais da Criança e da Pessoa Idosa;
Transferir a metodologia comunitária de Fé e Vida, da Pastoral da Criança a outros países
pobres para somar esforços na redução da desnutrição, da mortalidade infantil e materna,
e promover a paz nas famílias e comunidades.
Quais as motivações para continuar o trabalho em prol dos menos favorecidos?
Enquanto tiver a graça de ter saúde, continuarei a minha missão de participar da
construção de um mundo melhor para todos. Com a experiência toda que tenho, e a
credibilidade conquistada, sinto que ainda tenho possibilidade de contribuir na minha
Missão em defesa da Vida Plena para todos.
Quais as diferenças e o que tem em comum a Pastoral da Criança e a Pastoral da
Pessoal Idosa?
A Pastoral da Pessoa Idosa, assim como a Pastoral da Criança, é uma rede em defesa e
proteção da vida, principalmente em seus estágios mais frágeis, como a infância e a
velhice. Como na natureza, todos devem buscar estar unidos, sentir o aroma da
fraternidade, do amor, para se sentirem mais fortes e protegidos, as duas Pastorais
devem se ajudar mutuamente. A inspiração da metodologia comunitária da Pastoral da
criança foi o Evangelho sobre o milagre da multiplicação de 2 peixes e 5 pães que saciou
da fome 5 mil homens, sem contar as mulheres e crianças, assim as duas Pastorais da
Criança e da Pessoa Idosa, organizam as comunidades, os líderes voluntários são
capacitados técnica e cientificamente, no espírito de Fé e Vida e vão partilhando o
conhecimento e a solidariedade junto às famílias, com gestantes e crianças menores de 6
anos e junto aos idosos. Ambas as Pastorais já iniciaram com o Sistema de Informação,
para avaliar os resultados “para ver se todos estão satisfeitos”.
O que inspirou o nascimento da Pastoral da Pessoa Idosa?
Quando visitava comunidades pobres , muitas líderes idosas da Pastoral da Criança me
chamavam de lado, e me perguntavam orientações sobre problemas típicos dos idosos,
como urina solta, insônia, perda de visão e audição. Em setembro de 1993, eu estava
voltando da celebração dos dez anos da Pastoral da Criança, ocorrida em
Florestópolis/PR, quando no aeroporto de Londrina, me encontrei, por acaso, com o Dr.
João Batista Lima Filho, médico geriatra, que na época era o presidente da Sociedade
Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), Secção Paraná e muitos outros geriatras
que viajariam para Curitiba, afim de participar do Congresso Nacional de Geriatria. Nesse
dia, devido ao mau tempo, tivemos que esperar horas e acabamos conversando muito.
No ano de 1994, com o apoio do Convênio Estadual, e em especial da Primeira Dama D.
Fanny Lernner, a Pastoral da Criança criou um programa chamado “Terceira Idade na
Pastoral da Criança”. Esse programa depois de testado no Paraná foi sendo implantado
em vinte e quatro Estados do Brasil, com o apoio do Ministério da Saúde, e teve um novo
impulso em 1999, quando a Organização das Nações Unidas (ONU) estabeleceu o “Ano
Internacional do Idoso”.
Já no ano de 2003, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) lançou a
Campanha da Fraternidade com o tema: “Fraternidade e as Pessoas Idosas”. Neste
mesmo ano, foi aprovado no Congresso Nacional e sancionado pelo Presidente da
República – Luis Inacio Lula da Silva, a Lei nº 10741, o Estatuto do Idoso.
Todos esses momentos foram marcos para que, em abril de 2004, a Assembléia Geral
dos Bispos do Brasil, em Itaici/SP, aprovasse a proposta de criação da Pastoral da
Pessoa Idosa. Nesse momento fui indicada por Dom Odilo Scherer, na época Secretário
Geral da CNBB, junto com Dom Aloysio Leal Penna para iniciar essa nova Pastoral,
organiza-la e coordena-la a nível nacional. Os Senhores Bispos por unanimidade
aprovaram a proposta da CNBB.
Quantas são as pessoas atendidas e quantos são voluntários?
No 2º trimestre de 2009, segundo os dados do Sistema de Informação da Pastoral da
Pessoa Idosa, foram acompanhadas no Brasil 156.864 pessoas idosas, em 4.438
comunidades de 1.112 paróquias, em 168 dioceses. São 752 municípios com Pastoral da
Pessoa Idosa, em 26 estados do Brasil, só faltando o estado do Amapá.
Os 17.590 líderes da Pastoral da Pessoa Idosa, são capacitados no espírito de Fé e Vida
para acompanhar os idosos com mais de 60 anos, preferencialmente as vulnerabilizadas
pela pobreza ou abandono. Cada líder acompanha uma média de 10 pessoas idosas,
visitando-as pelo menos uma vez ao mês.
Na sua opinião quais as maiores dificuldades enfrentadas pelo idoso brasileiro?
Os idosos enfrentam muitos problemas ligados a pobreza e baixa qualidade da educação
de seus filhos e especialmente netos, que procuram explorá-los; a falta de empregos para
os jovens, faz com que violentem os avós para saciar as suas necessidades ou vícios.
Vemos que a cada dia aumenta o número de idosos que estão em situação de abandono,
cresce o número dos que não têm lugar na casa que construíram com muito amor e
sacrifício, e que hoje é a casa dos filhos, ocupados com seus trabalhos e atividades.
Cresce o número de famílias onde os idosos tornaram-se um incômodo.
Outra grande dificuldade enfrentada pelos idosos, é a falta de implementação de políticas
públicas voltadas para as pessoas idosas. Em 2003 entrou em vigor a Lei nº 10.741, o
Estatuto do Idoso. Em muitos municípios já existem Políticas Públicas. O que observo, é
que em muitos lugares o Estatuto do Idoso não está sendo respeitado ou seguido. A Lei
8.842/94 da Política Nacional do Idoso, no artigo 3º inciso I diz que “a família, a sociedade
e o Estado têm o dever de assegurar ao idoso todos os direitos da cidadania, garantindo
sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade, bem estar e o direito à vida”.
Precisamos garantir que isso seja cumprido. As pessoas idosas são parte importante da
nossa comunidade, pois trazem muita sabedoria de vida.
Quais são as metas da Pastoral da Pessoa Idosa levando em conta o grande
número de idosos no futuro?
De acordo com o IBGE, em 2050 as pessoas com mais de 60 anos passarão dos atuais
20 milhões para 32 milhões no Brasil. É necessário e urgente permitir as condições
necessárias para uma boa qualidade de vida a essas pessoas. Esse é um desafio
permanente, pois, infelizmente, muitos idosos em nosso país são explorados e vivem em
situação de abandono e exclusão, apesar dos Direitos que tem por lei. É nesse contexto
que se apresenta a missão da Pastoral da Pessoa Idosa, com seu trabalho de amor e
solidariedade nas comunidades e domicílios com pessoas idosas.
No final de 2008, durante a Assembléia Geral da Pastoral da Pessoa Idosa,
estabelecemos algumas metas para o ano de 2009. Entre elas, gostaria de destacar a
capacitação de todos os coordenadores paroquiais no tema de Missão e Gestão; ampliar
em 25% as pessoas idosas acompanhadas, líderes e comunidades, ampliar a Pastoral da
Pessoa Idosa em 10%, em novas dioceses e viabilizar a implantação e implementação do
programa radiofônico “De Bem com a Vida” da Pastoral da Pessoa Idosa nos meios de
comunicação social da Igreja e outros, que está sendo um sucesso. É o primeiro
programa de rádio nacional dirigido exclusivamente às pessoas idosas e suas famílias.
Qual é a missão desse organismo?
A Pastoral da Pessoa Idosa tem como missão a promoção e a valorização da Pessoa
Idosa, dando-lhe a oportunidade para melhorar sua qualidade de vida, respeitando seus
direitos por um processo educativo integrado à sua família e à comunidade. Com a
formação de redes comunitárias de líderes voluntários, que multiplicam o saber e a
solidariedade fraterna, a Pastoral da Pessoa Idosa identifica na pessoa idosa a imagem e
semelhança de Cristo, proporcionando-lhe dignidade, esperança e vida plena.
Trabalhar com o idoso aumenta o nosso aprendizado sobre a vida, porque o idoso traz
uma grande sabedoria em sua experiência de vida.
Por: Adriana Carrara, Fátima Rodrigues, Rodolfo Andrade e José Ricardo Pinto